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Um vagabundo do infinito. Por ter iniciado minha vida artística na ditadura sempre utilizei pseudônimos. Poeta da chamada "geração mimeógrafo". Colaborei em alguns jornais e revistas, criei e editei a revista "Energia", o programa de rádio "Solitário nunca mais", atuei e/ou dirigi diversos espetáculos teatrais, entre eles: "Teatro relâmpago Show", "Curso para Contemporâneos", "O Labirinto", "Noites em Claro", "Vida Acordada", "A Improvisação da Alma" e "Dorotéia". Criei e dirigi o grupo de pesquisa teatral "Vagabundos do Infinito". No momento além do single "Canção ao coração de Andressa" estou lançando o álbum musical "Misturadinho" em parceria com Paulo Guerrah e JMaurício Ambrosio.

sábado, 29 de março de 2014

A AULA DE MORAL E CÍVICA

A AULA DE MORAL E CÍVICA


Eu estudava na escola de teatro da então FEFIERJ, hoje Uni-Rio. Início dos anos 70, governo Médici, os chamados “anos de chumbo” da ditadura brasileira. O contexto era estranho: a escola funcionava onde antes era o prédio da UNE, na praia do Flamengo, onde também funcionou o CPC (Centro Popular de Cultura) de Vianinha e Leon Hirszman, entre outros. Os professores da escola de teatro haviam resolvido manter as paredes do palco principal, chamado por nós de Palcão, queimadas, como as encontraram, como uma espécie de memória do que havia acontecido ali. Quando o prédio foi tomado aos estudantes pela ditadura, os estudantes colocaram fogo em tudo que poderia servir de prova contra eles e boa parte do prédio queimou.
Havia uma grande preocupação da ditadura com aquele prédio, tanto que, um de seus últimos atos, antes de ser instaurado um governo civil, foi invadir o prédio novamente, mandar os professores e funcionários pegarem seus pertences e, no dia seguinte começar a demolir o prédio. Por acaso eu estava passando em frente bem no dia da desocupação. Vi o prédio cercado pelo exército, desci do ônibus em que estava e fui ver o que estava acontecendo. Fui barrado na entrada, porém vi que o professor Orlando Macedo vinha descendo as escadas meio assustado, esperei e perguntei para ele o que era aquilo. Orlando me respondeu: Não sei, eles chegaram aqui, sem avisar, e mandaram que nós pegássemos nossas coisas e deixássemos o prédio. Perguntei: a escola vai ser fechada? Não sei, respondeu ele, não sei de nada. No dia seguinte ao passar novamente por ali, vi que havia começado a demolição. Acho que em uma semana não havia mais nada. Doeu ver isso.
Outra coisa que posso dizer do contexto é que, como em outras universidades, havia sempre informantes disfarçados de alunos na escola. Volta e meia conseguíamos identificá-los, o clima era tenso, havia sempre a ameaça do malfadado 477, artigo que permitia expulsar sumariamente um aluno da universidade por motivos políticos. Fui chamado duas vezes à direção sob essa ameaça.
Bem, agora imagine qual foi nossa reação quando soubemos que seríamos obrigados a ter aula de Moral e Cívica; nós, estudantes de teatro. E pior, ficamos sabendo imediatamente que quem iria nos ministrar essas aulas seria um general reformado. Sabe quando entra uma barata voadora na sala? Nossa reação deve ter sido algo parecido. Será que achavam que iam poder nos doutrinar? Era só para nos intimidar? Nos reunimos para discutir o que faríamos diante daquele absurdo. Boicotaríamos a aula? Faríamos um protesto? Greve? Como o clima estava bem pesado e a coisa era muito estranha, resolvemos que iríamos à aula ver qual era a do general. Depois veríamos o que fazer. Havia um pouco de curiosidade também diante desse quase nonsense.

Primeiro dia de aula do general. Quando este chegou já estávamos todos sentados. O general se apresentou (infelizmente não lembro o nome dele) e disse que todas as meninas da turma deveriam se retirar, que não se preocupassem com a presença. Elas começaram a sair, meio constrangidas. Nós, os rapazes, nos olhávamos tensos. Vem coisa aí, eu pensava. Deve ter passado muita coisa na cabeça de cada um enquanto as meninas se retiravam. Aquele tipo de momento em que o tempo parece parar. Após a saída das meninas, o general fechou a porta e começou. Começou a contar piadas de sacanagem para a gente. Alguns de nós ríamos de nervoso, outros porque achavam engraçado a situação ou as piadas, outros faziam de conta que riam. Não eram risos soltos. Havia certo constrangimento no ar. E o general não parou. Passou todo o tempo contando piadas de sacanagem. Acho que nos liberou um pouco mais cedo. Saímos dali sem entender nada. Fui a mais umas três ou quatro aulas. A mecânica se repetia, garotas fora e tome piada de sacanagem. Deve ter sido isso o semestre inteiro. Deixei de ir porque achava que diante disso o general não me reprovaria por faltas e nunca gostei muito do tipo de piadas que ele contava. De uma coisa eu gostei: nada deixou tão claro para mim o que aquela ditadura entendia por moral e por civismo. Nesse ponto as aulas foram muito esclarecedoras.
                                                                                Paulo Márcio, 29/03/2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

O RACISMO DO GOVERNO BRASILEIRO


                                                                       (imagem recolhida na internet)

Hoje o Congresso Nacional (nosso maior antro institucional da corrupção) aprovou o projeto RACISTA de cotas para o serviço público, enviado por nossa presidanta. Como tem um caráter demagógico e estamos em ano eleitoral, a rapaziada aprovou rapidinho. Certamente as supostas “raças inferiores” (não sou eu quem está dizendo, é o Governo – explico adiante) de negros e pardos vai se sentir agraciada pela deferência já que somos um povo que pensa pela “Lei de Gérson” (lembram?): vamos nos dar bem, poder mamar um pouco nas tetas da Mãe Pátria, então tá tudo certo. Só que não.
Vamos ao absurdo da proposta: até parte do século XIX os brancos caucasianos achavam que os negros e os índios (estes devem estar incluídos entre os pardos) eram animais. Inferiores mesmo a uma vaca ou um porco. Não eram humanos, não tinham alma, apregoava a Igreja Católica. A partir do final do século XIX até meados do século XX, o conceito sobre estes melhorou: passaram a ser considerados humanos, porém de uma raça inferior. E não era só Hitler quem pensava assim. Americanos também pensavam assim (só não incluíram os judeus no bolo), por exemplo. Mesmo com a derrota de Hitler a ideia de que os negros e pardos não eram raças inferiores só foi conquistar seu espaço lá pelo final do século XX. Ao menos para as instituições governamentais e para grande parte das leis. Muita gente não assimilou ainda sequer essa ideia.
O que está pegando, agora que estamos no século XXI, é que descobrimos coisas novas. Vou tentar explicar bem devagar. Lembram de Galileu Galilei? Se não, deem uma googlada (erc! Desculpem), Até então, os governos (e a Igreja Católica) acreditavam que o sol (e todo o Universo) girava em torno da terra. Demorou bastante tempo até que aceitassem que não era assim. Hoje, nenhum governo diz o contrário. Talvez o Talibã, mas não dá para levarmos a sério. Então, o conceito mudou, certo? A ciência nos PROVOU que não era assim e acabamos aceitando.
Hoje, depois de um logo estudo sobre o DNA humano, realizado por cientistas de várias partes do mundo, a ciência nos PROVOU que NÃO EXISTEM RAÇAS NA ESPÉCIE HUMANA. Entenderam? Eu sei que vocês entenderam, só que a nossa presidanta não. Nem nossos congressistas. Então o fato de eles, em pleno século XXI, votarem uma lei que pressupõe que existam raças dentre os seres humanos e ainda que elas precisam ser “protegidas” por uma lei discriminatória deixa evidente que essas supostas “raças” sejam inferiores para os que propuseram e votaram favoravelmente à essa lei. Isso caracteriza tal ação como RACISMO. É, além de tudo inconstitucional, mesmo para a nossa constituição do século passado feita bem antes que os cientistas nos esclarecessem sobre essa questão.
Hoje podemos dizer que qualquer pessoa que afirme a existência de raças entre os seres humanos está, não só equivocada (como quem afirma que o sol gira em torno da terra) como também se caracteriza racista. É a única razão possível para alguém hoje afirmar a existência de raças humanas. O mais absurdo de tudo é um Congresso aprovar uma lei que considera que elas existam. Será que mês que vem vão promulgar uma lei obrigando o sol a girar em torno da terra? Ou nos obrigando a acreditar nisso?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

THE DARK SIDE OF THE MOON

Eu tento te contar histórias
da vida e do vinho.
E você tão brilhante,
tão perto e tão distante, 
como a lua,
que no entanto é um deserto, 
ainda que linda e nua,
por onde vago
perdido, sem direção.
Ouço a canção e não vejo
a boca que canta,
sinto o frio
do lado escuro
e todo desejo flutua
e todo o vinho, toda a vida,
todas as histórias são varridas
pelo vento lunar.
E eu tento te contar do coração
mas... onde ele está?
Encontro frio e medo
em seu lugar
e teu sorriso está ali,
no firmamento de meus olhos,
ao alcance de um beijo
e entretanto intangível
como as estrelas do mar do infinito.
Eu grito sabendo não existir
a possibilidade do som
nem de ecos,
nem de abafar o canto de sereia
que encanta e aprisiona.
Mas onde está a boca
de onde sai a melodia?
Em qual miragem
deste deserto?
Eu tento te encontrar,
tomo o vinho,
tomo a vida na mão
e a areia escorre entre os dedos,
fugidia.
Você está sempre onde não alcanço,
por mais que corra.
Canso e tenho frio,
sinto o pulsar do tempo
e não há pulso,
apenas o vazio,
vazio e areia,
poeira de estrelas
que não existem mais.
Eu tento te deixar
na outra margem do rio
mas a água secou,
e te carrego em meu caminhar
mas não te sinto,
levo o peso de tua sombra
sobre os ombros.
Nem vida... nem vinho,
nem sequer escombros,
ruínas, indícios,
apenas o deserto
e o frio
e a escuridão,
um silêncio preenchido de medos.
Lugar comum e lugar nenhum,
esta é a minha casa
e a janela o céu escuro.
E tua luz está onde não vejo,
a areia ocupou-me os olhos.
Caminho sobre o sonho
mesmo assim,
sem pressa,
não importa mais o chegar
e nem o vestígio das pegadas,
apenas a verdade dos passos,
eu,
você,
o vinho
e a vida.

                                                 Pomar, 05/01/2014

CARTA À LUA

Senhora,
ao ver seu reflexo espelhado nas águas
mergulho no mais profundo de minha alma,
e nessa negra escuridão de mim
percebo a imagem distorcida e confusa
da minha existência
e sucumbo afogado nesse caos borbulhante...
E vem a sua luz
e me arranca dessas profundezas abissais
e me transporta, como um foguete,
ao cosmos infinito do que verdadeiramente sou.
E nele compartilho essa luz
numa explosão divina de êxtase amoroso,
e compreendo, senhora,
que se sou reflexo
também sou luz.
E agradeço o seu amor.

Pomar, 04/01/2014

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

CICATRIZ

Eu gosto de pensar
na corrida louca dos espermatozóides,
milhões querendo chegar,
querendo nascer.
Que povo será?
Esse que disputa um lugar
pra ver a luz do sol?
Eu penso que venci e estou aqui
e você também.
Meu bem, passe manteiga mas não use faca,
eu quero é gozar dentro de uma vaca
e ver ela mugir
de prazer.
Eu quero ordenhar você
e te deixar maluca.
Quero meter minha língua em tua nuca
e te lamber o cerebelo
até ficar com a boca cheia de cabelo.
Eu gosto de pensar no ovo,
naquele ser inteiro
que está ali.
Eu gosto de come-lo
quando ainda habita a galinha,
eu gosto de meter os dentes
e puxar a linha
que costura os  pontos de tua cicatriz,
pra te ver doer,
arrepiar-te os pêlos, e te fazer feliz.
                                                                                             Pomar

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Zooilógico

Talvez você me ame mais do que pensa
Até porque pensar não tem muito a ver com isso
Talvez não
Talvez a gente sequer saiba o que é amar
Pode ser uma disfunção hormonal
Um distúrbio glandular qualquer
Mal sabemos o que somos verdadeiramente
Ou onde estamos
Nossa ciência tem apenas hipóteses vagas
E imprecisas
Sem nunca ir ao âmago de nenhuma questão
Doce pretensão a de saber aonde levam
Os caminhos do coração
Talvez nossos caminhos se encontrem
Como paralelas no infinito
Talvez sigam direções opostas
Talvez seja difícil, talvez seja bonito
Tanto faz
Pode ser impossível precisar o destino
E no entanto
O encontro é preciso
E todo o resto pode ser cenário
Talvez o mundo possa ser parado
Talvez o tempo não possa mais ser medido
Talvez os sonhos possam ser reais
Pode ser que sejamos animais
Trancafiados no zoológico das idéias
Com a chave do lado de dentro
Talvez seja apenas uma opção
De abrir a jaula e ver o que nos espera
Do lado de fora
Ou aceitarmos os amendoins e as bananas
E nos limitarmos a jogar merda nos passantes.

                                                                     Pomar.

Palavras



Palavras, palavras,

o que são as palavras?

Que substância as compõe?

Palavras não tem cheiro

nem sabor,

e você não pode pegá-las.

Pode talvez tocá-las com os dedos

quando as encontra escritas,

experimente agora.

E por mais suave e sensível

seja seu toque,

pouco poderá saber delas.

Você não pode comê-las,

pode apenas ler e ouvi-las

e tentar entender seu sentido,

mas não há sentido nenhum,

não pode ser sentido.

Sua substância é a mesma

que compõe o vento,

mas as palavras não agitam seus cabelos

nem arrepiam sua pele,

não têm dimensão.

Você não pode bebê-las 

nem usá-las como um bálsamo,

não pode colhê-las.

Não pode nem mesmo percebê-las,

pois digo uma coisa

e você ouve algo diverso,

e nada pode ser definido

em palavras.

E no entanto

você não pode viver sem elas.

Estão em seu pensamento

todo o tempo

quando não é silêncio,

e o que você diz de algo

não é a coisa em si,

e o que tem da coisa no que diz

está no silêncio entre as palavras,

no espaço entre elas.

E o espaço é um lugar

muito perto do nada.

Palavras...

O que quero dizer

não pode ser dito

nem escrito,

você não pode saber

o que sinto.

Olhe em meus olhos

profundamente

e só verá o escuro,

o negrume que os guia para a luz

e, ainda assim, negrume. 

E ver o escuro

é muito perto de nada ver.

Tente tocar minha pele

como tentou tocar as palavras

agora há pouco. 

Pouco poderá saber de mim,

a não ser que habito um corpo

que não possuo

entre os segundos que pontuam a eternidade.

Minha morada

é o nada entre um tempo e outro tempo,

e seu toque desfaz

o pouco que restava de mim,

deixando apenas em seus dedos

o brilho sutil como um pó

do que fora a asa de uma borboleta 

que me sonhou.

Palavras, palavras, palavras,

não posso tocá-la

com elas,

nem com meus dedos,

nem posso bebê-la com meus lábios,

não posso dizê-la.

Sou o silêncio entre elas

o espaço entre estrelas

que já se extinguiram,

mas cuja luz viaja infinitamente,

e as palavras

nada podem dizer do silêncio que as contém.
                                                                                                Pomar.