Quem sou eu

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Um vagabundo do infinito. Por ter iniciado minha vida artística na ditadura sempre utilizei pseudônimos. Poeta da chamada "geração mimeógrafo". Colaborei em alguns jornais e revistas, criei e editei a revista "Energia", o programa de rádio "Solitário nunca mais", atuei e/ou dirigi diversos espetáculos teatrais, entre eles: "Teatro relâmpago Show", "Curso para Contemporâneos", "O Labirinto", "Noites em Claro", "Vida Acordada", "A Improvisação da Alma" e "Dorotéia". Criei e dirigi o grupo de pesquisa teatral "Vagabundos do Infinito". No momento além do single "Canção ao coração de Andressa" estou lançando o álbum musical "Misturadinho" em parceria com Paulo Guerrah e JMaurício Ambrosio.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O Que Me Assusta


       Eu sou um homem, que vive no terceiro planeta mais próximo da estrela que chamamos Sol, no que convencionamos chamar de século vinte e um. Nasci e moro num lugar chamado Brasil. Em relação ao assunto que abordo, aqui talvez seja um pouco pior que outros lugares no planeta, mas é melhor que alguns outros. Não há muito pra onde correr. Volto a essa questão depois. O importante, e é o que me assusta. Mais que isso, inferniza minha vida pode-se dizer, literalmente. Esse é um pedido de socorro lançado por um náufrago em uma garrafa. Com pouca esperança de que chegue a tempo a alguém.
O que me assusta é que vivo cercado de adoradores de demônios. Completamente cercado. Em todos os lugares onde vou.
Pode ter certeza, isso é muito assustador.
Você agora deve estar pensando: - esse cara é paranoico. É compreensível. Eu também acharia o mesmo se não fosse uma situação real. No fundo, eu até gostaria que fosse paranoia. Bastaria um bom tratamento para me curar, ou ao menos deixa-la suportável. Tudo estaria resolvido. Mas não é o caso. Tenho certeza que ao terminar de ler este relato você concordará comigo. Talvez até se for um deles. Desde que lhe tenha sobrado algum resquício de racionalidade. Contarei tudo.
Sempre fui um sujeito tranquilo, gentil, educado, de boa formação intelectual, desde a infância.
Quando irritado posso desferir alguns impropérios que, embora condenáveis, não ultrapassam os limites da civilidade. Estudei diversas matérias em alguns campos do conhecimento. Sou bem informado, navego pela internet, porém sem a neurose do celular. Dentro dos parâmetros aceitos pela sociedade, ainda que eu discorde desses parâmetros, posso ser considerado uma pessoa bastante normal. Exceto pelo fato de eu não adorar nenhum demônio, já que sou ateu. Ateu não é só quem não acredita em nenhum deus. Por serem pessoas racionais e lógicas, ateus também não acreditam em demônios. Não há nenhuma razão para isso. Já há coisas suficientes a se temer em nosso cotidiano. Não precisamos inventar deuses ou demônios a serem temidos. Não há lógica nisso. Não faz nenhum sentido diante da mente livre de um ateu. Portanto nada disso me assustaria ou incomodaria se eu não vivesse cercado de adoradores de demônios. É isso que vou demonstrar agora.
Todos os religiosos são adoradores de demônios. Provarei o que estou afirmando. Não abordarei as religiões orientais pois estas são apinhadas de deuses e demônios, exceto pelo Taoísmo e pelo Budismo raiz, que são (ou eram) religiões sem deuses ou demônios e seriam assunto para outra discussão. De qualquer modo são pouco relevantes aqui neste país. Também não abordarei as religiões oriundas da África pelo mesmo motivo: estão apinhadas de deuses e demônios. A abordagem que farei dos adoradores de demônios ocidentais pode muito facilmente ser aplicada a essas outras religiões.
Analisemos as 3 grandes religiões ocidentais: judaísmo, cristianismo e islamismo. Todas adoram o mesmo deus, compartilham profetas e parte de seus livros sagrados. A descrição desse suposto deus e de seus atos consta nesses livros sagrados. Eu os li. Suponho que os crentes também o leram. Ou pelo menos viram o filme.
Não vou cansar o leitor com detalhes. São livros bastante conhecidos e de fácil acesso. Baseado exclusivamente nas descrições deste ser que tanto e tantos veneram e de suas ações constantes nos textos sagrados, veja bem, nos próprios textos produzidos e venerados por seus adeptos, consegui traçar um perfil deste ser adorado. É assustador. A intenção parece ser essa, mas é mais assustador ainda quando percebemos que este ser pode ser qualificado como: psicopata, ego maníaco com transtorno de personalidade, seja lá o que isso signifique, tirano cruel e assassino frio, inclusive de crianças inocentes,  estuprador, criador de um culto à própria personalidade, múltipla; além de diversas outras características que, em sua totalidade, definiria muito mais um demônio do que um deus. Ao menos é assim nos jogos de RPG e outros games de fantasia.
O modo como consigo perceber que ser é esse conforme a descrição de seus próprios adoradores, é que é um super-demônio. Não satisfeito em ser um demônio, apesar de onisciente e onipresente (e parecido conosco), ainda cria outro demônio, seu opositor, a quem nunca conseguiu derrotar! Então essas pessoas que acreditam nesses demônios, vivem no meio de uma guerra entre demônios e seus exércitos por suas almas. Supostas almas. Parece estressante. Talvez adorem demônios porque gostem de viver aterrorizados. Não sei, hoje em dia isso parece um jogo de realidade virtual. Só que todos jogam. Ou quase todos.
Ateus como eu, que não vivem aterrorizados por deuses ou demônios, pois sabem que são fantasias, são em torno de um por cento da população. São raros. Todos vivemos cercados por adoradores de demônios. Não jogamos esse jogo. E são eles que determinam as leis e demais regras de como devemos viver e nos comportar, ou seja: as regras do jogo. E nos vigiam, nos cercam o tempo todo.
Eu sei. Alguns países nórdicos chegam a ter hoje cerca de cinquenta por cento de ateus. Só que, além de eu não poder mudar pra nenhum deles, eles já estão sendo invadidos por hordas de adoradores de demônios. Talvez sucumbam. Os adoradores de demônios são terríveis. Ao longo do tempo, sempre perseguiram e exterminaram os que não compartilhavam de sua seita. Muitas vezes com guerras e outras vezes com formas um pouco mais amenas de ocupação. Sempre buscando o poder, em nome de seu demônio, e impondo suas regras insanas. E sim, existem também os países comunistas, supostamente ateus, mas além de eu não poder e, nesse caso, não querer ir pra nenhum deles, de fato eles mantiveram a seita e só trocaram demônios fantasiosos por demônios humanos. São tão gananciosos por poder quanto os adoradores de demônios tradicionais, pode-se dizer. Ou pior.
É difícil viver em meio a isso. Muito difícil. Você nem imagina. Não pode imaginar porque provavelmente é um deles. As chances estatísticas de outro ateu estar lendo isso são mínimas. Mas não se ofenda! As chances estatísticas de você ser um não-praticante são grandes. Fique aí! É com você mesmo que quero falar. Você é a nossa salvação. É graças aos adoradores de demônios não-praticantes que ainda é possível existir ateus nesse mundo. Provavelmente você não pratica porque não tem saco pra esta baboseira. Mas acredita porque te ensinaram isso desde criança e, na dúvida, é melhor acreditar que correr o risco de sofrer torturas terríveis no Inferno eternidade adentro. O demônio maior, aquele que você aprendeu que devia adorar, criou o outro demônio, de quem não se livra, que tem o objetivo de torturar barbaramente quem não adorar e obedecer às suas regras ego-maníacas. Fascinante, não?
Existe alguma chance de você ser dessas pessoas que se dizem espiritualizadas, ou qualquer outro termo, que sente que existe alguma coisa a mais na vida. Você não está errado, o Universo é muito estranho mesmo, mas não chame essa alguma coisa de Deus. Esse nome que nem é um nome. Coisa de demônios, não? Que costumam esconder quem são. Você será imediatamente confundido com um adorador de demônios. Chame essa coisa de Grande Espírito como alguns indígenas americanos, ou invente um nome pra isso, que nem precisa ser personificado. Pode adorar o Sol, é mais digno. É ele verdadeiramente quem nos dá vida. Ou o planeta Terra, que é quem a sustenta. Eles podem ser seres vivos, lá do modo deles. Eles não precisam ser demônios. Não os torne demônios. Você não precisa pertencer – e não deve! – a uma seita de adoradores de demônios para exercer seu sentimento de religiosidade propriamente dito. Talvez você esteja muito mais próximo do sentido original de religiosidade, que é basicamente o de se conectar. Se conectar com o planeta, com o Sol, com o Universo e com a energia de suas forças complementares. Ou, por último, mas não menos importante: consigo mesmo.
Esse é o aprendizado humano, pré-religioso que os adoradores de demônios deturparam. Veio do antigo xamanismo. Não confunda com várias dessas coisas que chamam de xamanismo hoje em dia. Esse processo de aprendizado levou muito tempo para ser desenvolvido. Visava o autoconhecimento e o autodesenvolvimento. Um modo talvez de aumentar as conexões entre os hemisférios do cérebro, ou, de algum outro modo, ampliar a autopercepção e a percepção do universo e suas energias. Aprender a sonhar, a vivenciar os sonhos lúcidos é como viver duas vidas. E é um processo de conhecimento interior e de crescimento e desenvolvimento como ser. Isso é prático. Se aprende. Um conhecimento transmitido oralmente e pela prática. Isso existe. É um processo de se conectar à vida. Se re-ligar. Religiosidade. Sem deuses e demônios.
Minha carta na garrafa pede sua ajuda. Evite participar de seitas de adoradores de demônios, nos ajude a respirar em meio ao inferno onde vivem já os adoradores de demônios. Não os ajude a nos oprimir. E viva sua religiosidade, se assim o desejar, de modo livre, sem intermediários. E se quiser criar um deus, sei lá, para canalizar suas energias, que ele não seja um demônio. Apenas um deus gente boa, que não vai punir ninguém, mas lhe dê um nome. Não o confunda com demônios.
Um dia talvez, possamos criar uma sociedade sem demônios. Nem deuses que se pareçam com demônios. Sem ninguém obrigar ninguém a acreditar em fantasia nenhuma. Que as fantasias tomem seu lugar apenas na ficção, de onde nunca deveriam ter saído. Onde possamos, finalmente, viver em paz, sem temer a deuses ou demônios. É reconfortante, pode acreditar. E, principalmente, sem se assustar com os adoradores destes. É um sonho, eu sei, mas como cantou Raulzito: “sonho que se sonha junto é realidade”.
Pomar, 2018.