Alguns esclarecimentos
iniciais: como muitas pessoas eu vi a fala do atual ministro da saúde, fala
esta bem anterior à sua posse, mas que não deixa de ser seu pensamento, onde
diz claramente que se tivesse que gastar o mesmo dinheiro na opção de só poder
salvar um, entre um jovem e um velho, salvaria o jovem. Como já sou velho (não
gosto do termo idoso) fiquei indignado. Também li em alguns comentários que
essa seria uma parte da ética médica ensinada nas faculdades de medicina.
Fiquei mais indignado ainda. Parece lógico, não? Parece, mas não é. Discorrerei
a seguir sobre o porquê considero esse um argumento falso. Primeiramente com
humor, que talvez seja o modo mais profundo de abordar a questão, embora quase
sempre não pareça, posteriormente com argumentos ditos sérios. Vamos lá:
1- Os
seres humanos costumam fazer muita merda ao longo da vida. Acho que esse é um
ponto pacífico. Tem gente demais no mundo. Outro ponto pacífico. Um jovem, por
ter uma expectativa de vida maior vai fazer muito mais merda ainda do que um
velho, que já fez a maior parte de merda em sua vida, que já diminuiu seu ritmo
de fazer merda e por ter uma expectativa de vida menor, fará bem menos merda
que o jovem. Portanto, será melhor para o mundo que se salve o velho. Além
disso, o jovem tem mais possibilidade de ter filhos, que farão mais merda ainda,
além de aumentar o índice populacional. É uma opção insana salvar o jovem.
2- A
segunda coisa é sobre a expectativa de vida. Não passa disso, expectativa. Vou
dar um exemplo: digamos que o médico opte por salvar o velho e este viva mais
dez anos. Ok, a expectativa de vida do jovem seria maior. Porém, digamos que na
mesma situação o médico opte por salvar o jovem e, na semana seguinte à alta,
esse jovem morra num acidente (jovens são mais propensos a isso) ou por
qualquer outro motivo. Teria valido à pena, considerando que a missão do médico
é preservar a vida de um modo geral. Não teria sido um desperdício de vida? Expectativa
é uma coisa, realidade é outra. Não há como saber, de fato, quem morreria
primeiro. Portanto a escolha não deveria se basear em algo desconhecido. Mas no
que se basear, então?
3- O
ministro enfatiza a questão econômica “gastar o mesmo dinheiro”. Bem, a não ser
que ele seja dono de um hospital ou clínica, não é ele quem vai gastar o
dinheiro, somos nós, pagadores de impostos ou dos planos de saúde. Jovens
raramente pagam impostos, a não ser os que qualquer cidadão paga, embutido no
que se consome. Velhos são quem paga os impostos, de renda, da previdência, etc.,
além da maioria dos impostos embutidos no que os jovens consomem. São esses
impostos que mantém os hospitais públicos e em parte os privados que recebem
dinheiro do governo, além dos salários dos médicos e enfermeiros do sistema de
saúde público. Se morrem todos os velhos, como no caso dessa pandemia que faz
mais vítimas nessa faixa de idade, e faz muitas, como vai ficar a manutenção desses
hospitais e dos salários de seus trabalhadores? Economicamente também é melhor
salvar o velho.
4- Por
fim, mas não menos importante, vem a questão da sabedoria e experiência dos
velhos. Cultuada nas culturas mais sólidas, mas não na nossa. Quem tem a
experiência de vida? Quem vai saber agir diante de circunstâncias inesperadas? Quem
tem a cultura, a experiência de vida, e já viveu e superou inúmeras
dificuldades? E quem vai ensinar aos jovens? Quem vai ensinar aos médicos, aos
engenheiros, aos empresários, aos filósofos, enfim quem vai ensinar aos
profissionais qualquer ofício? O mundo contemporâneo ocidental, principalmente,
passou a cultuar os jovens, que tem seus encantos, é verdade. A juventude é
bela, é sensual, e vende. Talvez esse tenha sido o motivo, mas foi um grande
erro. As consequências são óbvias e não me estenderei sobre isso. A juventude
passa, os velhos sabem bem disso, afinal já passou pra eles. Mas a idade trouxe
algo bem mais importante pra humanidade: a sabedoria. Nada mais necessário para
a humanidade nesse momento de crise.
5- Para
finalizar, é claro que existem questões de caráter, de cultura, de habilidades
e diversas outras que engrandecem o ser humano. Independente, em parte, da idade.
Então, que sejam levadas em conta essas características, e não a idade. Também
é claro que o melhor é nos prepararmos para que não haja a necessidade de
escolha, como no caso citado. Que possamos salvar todas as vidas que disso
necessitem. Esse foi um dos erros que citei acima. Os médicos, nesse momento,
já estão tendo que escolher quem vive e quem morre. Nos próximos dias isso será
ainda intensificado. Não estão divulgando isso, mas já é um fato. Por fim, como
já é, infelizmente uma realidade, concluo, a favor dos velhos com o argumento
de que um jovem tem muito mais possibilidades de se salvar sem ir para um
respirador do que um velho, que certamente morrerá sem isso.
Pomar, 2020.