Nessa manhã de domingo chuvosa, sentado na rede, na
varanda, reparando, quando a chuva estiou, na claridade esbranquiçada do sol,
ainda oculto, fazendo as folhas umedecidas brilharem, as gotas de chuva penduradas
se tornarem pequenas joias, ouvindo os cantos dos pássaros enquanto
eventualmente os fotografava quando vinham assustados comer a banana que eu
colocara na cerca para que se alimentassem. No meio disso lendo Bradbury e me
deparando com um conto maravilhoso chamado “Eu canto o corpo elétrico!”. Outro
canto que encanta, enleva e acaricia o pensamento, dessa vez na forma de letras
e palavras e poesia que nós, macacos pelados desenvolvemos ao longo do tempo. O
canto do espírito humano que eu lia em um dispositivo elétrico, como Ray o
chamaria, ou eletrônico ou digital como o chamamos. Como eu queria dividir,
compartilhar a emoção sentida! Pensei eu quantos conhecidos teriam tido esse
prazer, quantos amigos, amores, familiares teriam se deleitado com essa breve e
deliciosa história. Concluí que talvez nenhum. Bradbury não é muito popular por
aqui. Sabe quando vemos um bom filme com os amigos e depois vamos para um café
ou um bar trocar ideias e impressões sobre o mesmo, dividindo a experiência e
ao mesmo tempo a ampliando? Quando a emoção, a experiência estética parece
grande demais para guardarmos apenas dentro de cada um e sentimos a necessidade
de compartilhá-la? Me senti assim. Por isso escrevo e compartilho. Ler um livro
é uma experiência solitária, mas se mais de um o leu podemos dividir e ampliar
essa experiência. Como se uma avó carinhosa contasse uma história para os netos
e depois eles pudessem, num conluio conspiratório, trocar opiniões e impressões
sobre o que ouviram e sobre como a avó sabia contar histórias. De modo indireto
estou me referindo ao conto.
Por esses dias escrevi no Facebook que queria uma androide
pra chamar de minha. Podem ter entendido isso de vários modos, mas Bradbury deu
a resposta. Nos diz como podemos utilizar bem as incríveis capacidades que
ainda podemos desenvolver. Provavelmente não o faremos desse modo, infelizmente.
São muito poucos que o leem, são poucos que contemplam a vida com a poesia
necessária, como se esta fosse a avó carinhosa e esperta que nos conta
histórias que nos encantam. O corpo elétrico que Ray Bradbury canta é o corpo
da vida, passada, presente e futura. Um canto belo de um pássaro oculto na
mata. Um canto que vem do passado e voa em direção ao futuro, mas que podemos
registrar no presente como no instante fixado em uma fotografia.
Pomar